Exploração Planetária (1980-1991)
A era das missões Voyager revelou a complexidade dos campos magnéticos de Júpiter e Saturno. Entender como esses campos se comportavam em grandes regiões do espaço era crucial para a navegação e sobrevivência das sondas.
De Medidas Locais a Efeitos Globais
Os engenheiros precisavam de uma forma de relacionar as medições "microscópicas" do campo (sua tendência a girar em um ponto) com o efeito "macroscópico" total ao longo de uma trajetória. O Teorema de Stokes forneceu a ponte matemática exata para essa necessidade.
O Teorema de Stokes relaciona a integral de superfície do rotacional de um campo vetorial com a integral de linha do campo ao longo da fronteira dessa superfície.
\[ \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S} = \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} \]Interpretação Física:
A circulação total de um campo ao redor de uma fronteira fechada (`C`) é igual à soma de todas as "pequenas" circulações (rotacional) que ocorrem na superfície (`S`) delimitada por essa fronteira.
Integral de Superfície do Rotacional
\( \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S} \)
\(\nabla \times \vec{F}\): O rotacional. Mede a tendência de rotação do campo em cada ponto.
\(d\vec{S}\): Vetor normal à superfície, cuja orientação define o "lado de cima".
Significado: A soma líquida de toda a rotação microscópica na superfície.
Integral de Linha na Fronteira
\( \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} \)
\(C\): A curva-fronteira fechada da superfície \(S\).
\(d\vec{r}\): Vetor tangente à curva, indicando a direção do percurso.
Significado: A circulação total (ou trabalho) do campo ao longo da fronteira.
A orientação da curva \(C\) e do vetor normal \(d\vec{S}\) estão ligadas pela regra da mão direita.
Problema: Um campo magnético é descrito por \(\vec{B} = -y\hat{i} + x\hat{j} + z\hat{k}\). Calcule a circulação deste campo ao redor da circunferência \(C\) definida por \(x^2 + y^2 = 4\) no plano \(z=1\).
Objetivo: Calcular \(\oint_C \vec{B} \cdot d\vec{r}\) usando o Teorema de Stokes.
Passos Sugeridos:
Cálculo de \(\nabla \times \vec{B}\):
Usamos o determinante simbólico para o rotacional:
\[ \nabla \times \vec{B} = \begin{vmatrix} \hat{i} & \hat{j} & \hat{k} \\ \frac{\partial}{\partial x} & \frac{\partial}{\partial y} & \frac{\partial}{\partial z} \\ -y & x & z \end{vmatrix} \] \[ = \hat{i}\left(\frac{\partial(z)}{\partial y} - \frac{\partial(x)}{\partial z}\right) - \hat{j}\left(\frac{\partial(z)}{\partial x} - \frac{\partial(-y)}{\partial z}\right) + \hat{k}\left(\frac{\partial(x)}{\partial x} - \frac{\partial(-y)}{\partial y}\right) \] \[ = \hat{i}(0-0) - \hat{j}(0-0) + \hat{k}(1 - (-1)) = 2\hat{k} \]O rotacional é um campo vetorial constante: \(\nabla \times \vec{B} = (0, 0, 2)\).
Aplicação do Teorema:
A curva \(C\) é a fronteira do disco \(S\) de raio 2 no plano \(z=1\). O vetor normal unitário à superfície \(S\) que corresponde à orientação anti-horária de \(C\) é \(\hat{n} = \hat{k}\). Portanto, \(d\vec{S} = \hat{k} \, dA\).
A integral de linha se torna:
\[ \oint_C \vec{B} \cdot d\vec{r} = \iint_S (\nabla \times \vec{B}) \cdot d\vec{S} = \iint_S (2\hat{k}) \cdot (\hat{k} \, dA) \] \[ = \iint_S 2 \, dA = 2 \iint_S dA \]Como \(\iint_S dA\) é simplesmente a área da superfície \(S\), temos:
\[ 2 \times (\text{Área do disco}) = 2 \times (\pi r^2) = 2 \times (\pi \cdot 2^2) = 8\pi \]Interpretação dos Resultados:
A circulação total do campo magnético \(\vec{B}\) ao longo da circunferência \(C\) é de \(8\pi\).
O Teorema de Stokes nos permitiu substituir uma integral de linha, que exigiria parametrizar a curva, por uma integral de superfície muito mais simples, baseada na área da região. Isso demonstra o poder do teorema como uma ferramenta de simplificação.
Problema: Verifique o Teorema de Stokes para o campo vetorial \(\vec{F} = y\hat{i} - x\hat{j} + z^2\hat{k}\) na superfície \(S\), que é a parte superior da esfera \(x^2 + y^2 + z^2 = 9\) (ou seja, \(z \ge 0\)).
Objetivo: Demonstrar que \(\oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S}\).
A fronteira \(C\) é a circunferência \(x^2+y^2=9\) no plano \(z=0\). Parametrizamos \(C\):
\(\vec{r}(t) = (3\cos t, 3\sin t, 0)\), para \(0 \le t \le 2\pi\).
O vetor tangente é \(\vec{r}'(t) = (-3\sin t, 3\cos t, 0)\).
Avaliamos \(\vec{F}\) sobre a curva:
\(\vec{F}(\vec{r}(t)) = (3\sin t)\hat{i} - (3\cos t)\hat{j} + (0)^2\hat{k} = (3\sin t, -3\cos t, 0)\).
Calculamos o produto escalar e integramos:
\[ \vec{F} \cdot \vec{r}'(t) = (3\sin t)(-3\sin t) + (-3\cos t)(3\cos t) = -9\sin^2 t - 9\cos^2 t = -9 \] \[ \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \int_0^{2\pi} -9 \, dt = -9[t]_0^{2\pi} = -18\pi \]Primeiro, calculamos o rotacional de \(\vec{F}\):
\[ \nabla \times \vec{F} = \begin{vmatrix} \hat{i} & \hat{j} & \hat{k} \\ \frac{\partial}{\partial x} & \frac{\partial}{\partial y} & \frac{\partial}{\partial z} \\ y & -x & z^2 \end{vmatrix} = \hat{k}(-1-1) = -2\hat{k} \]Agora, calculamos a integral de superfície. A superfície \(S\) é o hemisfério superior. O elemento de área \(d\vec{S}\) aponta para fora (para cima).
\[ \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S} = \iint_S (-2\hat{k}) \cdot d\vec{S} \]Esta integral representa \(-2\) vezes o fluxo do campo \(\hat{k}\) através de \(S\). Geometricamente, o fluxo de \(\hat{k}\) através de uma superfície é a área de sua projeção no plano \(xy\).
A projeção de \(S\) no plano \(xy\) é um disco de raio 3.
\[ \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S} = -2 \times (\text{Área do disco}) = -2 \times (\pi \cdot 3^2) = -18\pi \]Resultados Consistentes:
Ambos os lados da equação resultaram em \(-18\pi\), verificando o teorema:
\[ \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot d\vec{S} = -18\pi \]Este exemplo mostra que mesmo para uma superfície curva (hemisfério), o Teorema de Stokes se mantém, relacionando o comportamento do campo na fronteira plana com o comportamento do rotacional em toda a superfície.
Missões Voyager (1977 - Presente)
O Teorema de Stokes é uma peça central das Equações de Maxwell, que governam o eletromagnetismo. Ao atravessar as magnetosferas de Júpiter e Saturno, as sondas Voyager mediram campos magnéticos. Stokes permitiu que os cientistas relacionassem essas medições locais a correntes elétricas em grande escala nos planetas, ajudando a mapear e entender suas complexas magnetosferas.
A Lei de Ampère-Maxwell, uma aplicação direta de Stokes, relaciona o campo magnético \(\vec{B}\) com a corrente elétrica \(\vec{J}\):
\[ \oint \vec{B} \cdot d\vec{l} = \mu_0 \iint_S \vec{J} \cdot d\vec{S} + \dots \]Aplicações Contemporâneas: