Relembremos o Teorema de Green:
\[ \oint_C (P\,dx + Q\,dy) = \iint_D \left(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right)\,dA \]Podemos entender este teorema como um caso especial do Teorema de Stokes (geral) considerando um campo vetorial \(\vec{F}\) que "vive" no plano XY, ou seja, \(\vec{F}(x,y,z) = (P(x,y), Q(x,y), 0)\).
O rotacional deste campo \(\vec{F}\) em 3D é:
\[ \nabla \times \vec{F} = \begin{vmatrix} \vec{i} & \vec{j} & \vec{k} \\ \frac{\partial}{\partial x} & \frac{\partial}{\partial y} & \frac{\partial}{\partial z} \\ P & Q & 0 \end{vmatrix} \]Como \(P\) e \(Q\) dependem apenas de \(x\) e \(y\), as derivadas em relação a \(z\) são nulas (\(\frac{\partial Q}{\partial z} = 0, \frac{\partial P}{\partial z} = 0\)). Assim:
\[ \nabla \times \vec{F} = \left(0, 0, \frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right) \]O Teorema de Stokes (geral) relaciona a integral de linha de \(\vec{F}\) ao longo de uma curva fechada \(C\) com o fluxo do rotacional de \(\vec{F}\) através de uma superfície \(S\) que tem \(C\) como sua fronteira:
\[ \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot \vec{n} \,dS \]No nosso caso plano:
Substituindo, obtemos o Teorema de Green. A discussão completa sobre superfícies orientadas e normais será aprofundada ao estudarmos o Teorema de Stokes em 3D.
A conexão entre o Teorema de Green e o Teorema de Stokes no plano destaca a natureza do rotacional:
Assim, o "rotacional" do Teorema de Green é a componente \(\vec{k}\) do vetor rotacional \(\nabla \times \vec{F}\) quando \(\vec{F}\) é um campo no plano \(xy\).
Campo Conservativo: \(\vec{F}=(x,y)\), \(\text{rot}_k = 0\). Campo Rotacional: \(\vec{F}=(-y,x)\), \(\text{rot}_k = 2\).
Missões Apollo Avançadas (1971-1972)
As missões "J" (Apollo 15, 16, 17) permitiram estadias mais longas na Lua e o uso extensivo do Veículo Explorador Lunar (Rover). Isso possibilitou uma análise científica mais detalhada, incluindo o mapeamento de campos magnéticos lunares (embora fracos) e a observação de fenômenos como o fluxo de exaustão dos motores do módulo lunar. A perspectiva do rotacional (mesmo que aplicada conceitualmente a projeções 2D de fenômenos 3D) ajudava a identificar regiões de interesse onde campos ou fluxos poderiam exibir comportamento de "torção" ou circulação significativa, importante para a segurança dos equipamentos e a interpretação dos dados científicos.
Problema: O fluxo de um fluido é modelado pelo campo de velocidades \(\vec{v}(x,y) = \left(\frac{-y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right)\) para \((x,y) \neq (0,0)\).
Seja \(P = \frac{-y}{x^2+y^2}\) e \(Q = \frac{x}{x^2+y^2}\).
1. Rotacional escalar: \(\frac{\partial Q}{\partial x} = \frac{(x^2+y^2)(1) - x(2x)}{(x^2+y^2)^2} = \frac{y^2-x^2}{(x^2+y^2)^2}\). E \(\frac{\partial P}{\partial y} = \frac{(x^2+y^2)(-1) - (-y)(2y)}{(x^2+y^2)^2} = \frac{y^2-x^2}{(x^2+y^2)^2}\). Portanto, \(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y} = 0\) para \((x,y) \neq (0,0)\).
2. Integral de Linha: Parametrize \(C\): \(x=R\cos t, y=R\sin t\), \(0 \le t \le 2\pi\). Então \(dx = -R\sin t \,dt, dy = R\cos t \,dt\). Em \(C\), \(P = \frac{-R\sin t}{R^2} = -\frac{\sin t}{R}\) e \(Q = \frac{R\cos t}{R^2} = \frac{\cos t}{R}\).
\[ \oint_C (Pdx + Qdy) = \int_0^{2\pi} \left( \left(-\frac{\sin t}{R}\right)(-R\sin t) + \left(\frac{\cos t}{R}\right)(R\cos t) \right) dt \] \[ = \int_0^{2\pi} (\sin^2 t + \cos^2 t) dt = \int_0^{2\pi} 1 \,dt = [t]_0^{2\pi} = 2\pi \]3. Aplicabilidade do Teorema: A integral de linha é \(2\pi\). Se usássemos o Teorema de Green/Stokes, \(\iint_D (\text{rotacional}) \,dA = \iint_D 0 \,dA = 0\). Os resultados diferem! O teorema não se aplica diretamente porque o campo \(\vec{v}\) (e suas derivadas parciais) não são definidos/contínuos na origem (0,0), que é um ponto dentro da região \(D\) delimitada por \(C\). Isso viola as condições do teorema.
Entender o Teorema de Green como uma manifestação do Teorema de Stokes no plano é um passo conceitual importante. Ele reforça a ideia de que propriedades na fronteira de uma região estão intrinsecamente ligadas ao comportamento "interno" do campo vetorial.
Este exemplo também salienta a importância crucial das condições de aplicabilidade dos teoremas: a continuidade das funções e suas derivadas na região de integração é fundamental.
Para um campo vetorial \(\vec{F}(x,y) = (P(x,y), Q(x,y))\) com componentes continuamente diferenciáveis, o Teorema da Divergência no Plano (outra forma do Teorema de Green) afirma:
\[ \oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA \] Onde:O lado esquerdo representa o fluxo total de \(\vec{F}\) para fora através da fronteira \(C\). O lado direito é a integral da divergência (taxa de expansão/contração por unidade de área) sobre a região \(D\). A generalização para 3D (Teorema de Gauss) será vista adiante.
Se \(C\) é parametrizada por \(\vec{r}(t) = (x(t), y(t))\), o vetor tangente unitário é \(\vec{T} = \frac{1}{s'}(x', y')\) e o normal exterior unitário é \(\vec{n} = \frac{1}{s'}(y', -x')\), onde \(s'(t)\) é a rapidez \(|\vec{r}'(t)|\).
Então, \(\vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = (P,Q) \cdot (y'/s', -x'/s') s'\,dt = (Py' - Qx')\,dt = P\,dy - Q\,dx\).
Assim, a integral de fluxo é \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \oint_C (-Q\,dx + P\,dy)\).
Aplicando o Teorema de Green (com \(P_{green} = -Q\) e \(Q_{green} = P\)):
\[ \oint_C (-Q\,dx + P\,dy) = \iint_D \left( \frac{\partial (P)}{\partial x} - \frac{\partial (-Q)}{\partial y} \right) dA \] \[ = \iint_D \left( \frac{\partial P}{\partial x} + \frac{\partial Q}{\partial y} \right) dA = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA \]Isso mostra que o Teorema da Divergência no Plano é uma consequência direta do Teorema de Green.
Campo com uma "fonte/sumidouro" em \((-0.8,0)\) e outra em \((0.8,0)\). Ajuste suas intensidades (k positivo = fonte, k negativo = sumidouro).
Estações Espaciais (Skylab, Salyut - anos 1970)
Com o advento das primeiras estações espaciais e missões de longa duração, o gerenciamento de sistemas de suporte à vida tornou-se primordial. Isso incluía o controle preciso de atmosferas internas, circulação de ar, e sistemas de refrigeração por fluidos. O conceito de divergência, mesmo que não sempre calculado explicitamente com integrais duplas para cada componente, era fundamental para entender "fontes" (produção de gases, injeção de fluidos) e "sumidouros" (vazamentos, consumo, extração de fluidos) dentro de volumes controlados. Uma divergência líquida diferente de zero em uma região indicaria um acúmulo ou depleção de substância, crucial para a manutenção da habitabilidade e operação dos sistemas.
Problema: Considere o campo vetorial \(\vec{F}(x,y) = (x,y)\).
1. \(\vec{F}=(x,y) \Rightarrow P=x, Q=y\). \(\text{div}(\vec{F}) = \frac{\partial P}{\partial x} + \frac{\partial Q}{\partial y} = \frac{\partial x}{\partial x} + \frac{\partial y}{\partial y} = 1 + 1 = 2\).
2. Pelo Teorema da Divergência: \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA = \iint_D 2 \, dA = 2 \cdot \text{Área}(D)\). A área do disco \(D\) de raio \(R\) é \(\pi R^2\). Portanto, o Fluxo = \(2 \pi R^2\).
3. Cálculo direto do fluxo: Parametrização de \(C\): \(\vec{r}(t)=(R\cos t, R\sin t)\), \(0 \le t \le 2\pi\). Vetor tangente \(\vec{r}'(t)=(-R\sin t, R\cos t)\). Rapidez \(s'(t) = |\vec{r}'(t)| = R\). Vetor normal unitário exterior \(\vec{n}(t) = \frac{1}{s'}(y'(t), -x'(t)) = \frac{1}{R}(R\cos t, -(-R\sin t)) = (\cos t, \sin t)\). (Alternativamente, para um círculo centrado na origem, \(\vec{n} = \frac{\vec{r}}{|\vec{r}|} = \frac{(x,y)}{R} = (\cos t, \sin t)\)). Em \(C\), \(\vec{F}(\vec{r}(t)) = (R\cos t, R\sin t)\). \(\vec{F} \cdot \vec{n} = (R\cos t)(\cos t) + (R\sin t)(\sin t) = R(\cos^2 t + \sin^2 t) = R\). Fluxo \( = \oint_C (\vec{F} \cdot \vec{n}) \, ds = \int_0^{2\pi} R \cdot (R \, dt) = R^2 \int_0^{2\pi} dt = R^2 [t]_0^{2\pi} = 2\pi R^2\).
Os resultados coincidem.
O Teorema da Divergência no Plano (ou forma normal do Teorema de Green) fornece uma ferramenta poderosa para relacionar o fluxo líquido de um campo vetorial através de uma curva fechada com a "densidade de fonte" (divergência) total dentro da região delimitada pela curva.
Este conceito é fundamental em diversas áreas da física e engenharia, como mecânica dos fluidos (onde a divergência zero implica incompressibilidade) e eletromagnetismo (Lei de Gauss).
Nesta apresentação, exploramos três teoremas fundamentais no plano:
Todos esses teoremas compartilham um tema comum: conectar uma integral sobre uma fronteira (curva \(C\)) com uma integral sobre a região (\(D\)) que ela delimita, envolvendo derivadas do campo vetorial.
Próximos Passos: Generalizaremos esses conceitos para o espaço tridimensional, estudando o Teorema de Stokes para superfícies e o Teorema da Divergência de Gauss para volumes.
Da Lua às Estações Espaciais
A matemática do cálculo vetorial, incluindo os princípios encapsulados pelos teoremas planares, foi indispensável desde as primeiras missões Apollo até o desenvolvimento e operação de estações espaciais como Skylab e Salyut. Seja para otimizar trajetórias, analisar campos de força, entender a dinâmica de fluidos em microgravidade, ou garantir a integridade dos sistemas de suporte à vida, esses teoremas forneceram as ferramentas conceituais e computacionais para transformar desafios complexos em problemas tratáveis. Eles representam a linguagem pela qual os engenheiros e cientistas puderam modelar, prever e controlar os ambientes e tecnologias da exploração espacial.
Os princípios dos Teoremas de Green, Stokes e Divergência são pedras angulares em muitas tecnologias e campos científicos modernos:
(Ex: Simulação de fluxo e cálculo de forças em um perfil aerodinâmico usando princípios de fluxo e circulação).