Teoremas Planares Avançados

Stokes e Divergência no Plano: Rumo ao 3D

Teorema de Stokes no Plano: Green Revisitado

Relembremos o Teorema de Green:

\[ \oint_C (P\,dx + Q\,dy) = \iint_D \left(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right)\,dA \]

Podemos entender este teorema como um caso especial do Teorema de Stokes (geral) considerando um campo vetorial \(\vec{F}\) que "vive" no plano XY, ou seja, \(\vec{F}(x,y,z) = (P(x,y), Q(x,y), 0)\).

O rotacional deste campo \(\vec{F}\) em 3D é:

\[ \nabla \times \vec{F} = \begin{vmatrix} \vec{i} & \vec{j} & \vec{k} \\ \frac{\partial}{\partial x} & \frac{\partial}{\partial y} & \frac{\partial}{\partial z} \\ P & Q & 0 \end{vmatrix} \]

Como \(P\) e \(Q\) dependem apenas de \(x\) e \(y\), as derivadas em relação a \(z\) são nulas (\(\frac{\partial Q}{\partial z} = 0, \frac{\partial P}{\partial z} = 0\)). Assim:

\[ \nabla \times \vec{F} = \left(0, 0, \frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right) \]

Stokes no Plano: Superfície, Normal e Orientação

O Teorema de Stokes (geral) relaciona a integral de linha de \(\vec{F}\) ao longo de uma curva fechada \(C\) com o fluxo do rotacional de \(\vec{F}\) através de uma superfície \(S\) que tem \(C\) como sua fronteira:

\[ \oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \iint_S (\nabla \times \vec{F}) \cdot \vec{n} \,dS \]

No nosso caso plano:

  • Superfície \(S\): É a própria região plana \(D\) no plano \(xy\).
  • Vetor Normal à Superfície (\(\vec{n}\)): Para a região \(D\), a normal consistente com a orientação anti-horária de \(C\) (regra da mão direita) é \(\vec{n} = \vec{k} = (0,0,1)\).
  • Elemento de Área \(dS\): Torna-se \(dA\) no plano.
  • Produto Escalar: \((\nabla \times \vec{F}) \cdot \vec{n} = \left(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right)\).

Substituindo, obtemos o Teorema de Green. A discussão completa sobre superfícies orientadas e normais será aprofundada ao estudarmos o Teorema de Stokes em 3D.

Diagrama de normal para Stokes no plano e Divergência no plano

Rotacional em 2D e 3D

A conexão entre o Teorema de Green e o Teorema de Stokes no plano destaca a natureza do rotacional:

  • Em 2D (Teorema de Green): O termo \(\left(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y}\right)\) é um escalar. Ele representa a magnitude da componente do rotacional 3D que é perpendicular ao plano \(xy\) (ou seja, ao longo do eixo \(\vec{k}\)). Ele mede a tendência de "giro" do campo no plano.
  • Em 3D (Teorema de Stokes geral): O rotacional \(\nabla \times \vec{F}\) é um vetor. Sua direção indica o eixo em torno do qual o campo tende a girar, e sua magnitude indica a intensidade dessa rotação.

Assim, o "rotacional" do Teorema de Green é a componente \(\vec{k}\) do vetor rotacional \(\nabla \times \vec{F}\) quando \(\vec{F}\) é um campo no plano \(xy\).

Diagrama do rotacional 2D em perspectiva

Visualizando Rotação: Conservativo vs. Rotacional

Campo Conservativo: \(\vec{F}=(x,y)\), \(\text{rot}_k = 0\). Campo Rotacional: \(\vec{F}=(-y,x)\), \(\text{rot}_k = 2\).

Integrais (Círculo Raio = 2 unidades)
Rotacional Escalar: 0.00
\(\oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r}\): 0.0000
\(\iint_D \text{rot}_k \,dA\): 0.0000

Análise de Fluxos e Campos Detalhada

CONTEXTO

Missões Apollo Avançadas (1971-1972)

As missões "J" (Apollo 15, 16, 17) permitiram estadias mais longas na Lua e o uso extensivo do Veículo Explorador Lunar (Rover). Isso possibilitou uma análise científica mais detalhada, incluindo o mapeamento de campos magnéticos lunares (embora fracos) e a observação de fenômenos como o fluxo de exaustão dos motores do módulo lunar. A perspectiva do rotacional (mesmo que aplicada conceitualmente a projeções 2D de fenômenos 3D) ajudava a identificar regiões de interesse onde campos ou fluxos poderiam exibir comportamento de "torção" ou circulação significativa, importante para a segurança dos equipamentos e a interpretação dos dados científicos.

Problema: Circulação de um Vórtice

Problema: O fluxo de um fluido é modelado pelo campo de velocidades \(\vec{v}(x,y) = \left(\frac{-y}{x^2+y^2}, \frac{x}{x^2+y^2}\right)\) para \((x,y) \neq (0,0)\).

  1. Calcule o rotacional escalar de \(\vec{v}\).
  2. Calcule a circulação \(\oint_C \vec{v} \cdot d\vec{r}\) onde \(C\) é o círculo \(x^2+y^2=R^2\) (\(R>0\)) orientado positivamente.
  3. O Teorema de Green (ou Stokes no plano) se aplica diretamente para calcular a integral de linha usando a integral do rotacional sobre o disco \(D\) delimitado por \(C\)? Por quê?

Solução: Circulação de Vórtice

Seja \(P = \frac{-y}{x^2+y^2}\) e \(Q = \frac{x}{x^2+y^2}\).

1. Rotacional escalar: \(\frac{\partial Q}{\partial x} = \frac{(x^2+y^2)(1) - x(2x)}{(x^2+y^2)^2} = \frac{y^2-x^2}{(x^2+y^2)^2}\). E \(\frac{\partial P}{\partial y} = \frac{(x^2+y^2)(-1) - (-y)(2y)}{(x^2+y^2)^2} = \frac{y^2-x^2}{(x^2+y^2)^2}\). Portanto, \(\frac{\partial Q}{\partial x} - \frac{\partial P}{\partial y} = 0\) para \((x,y) \neq (0,0)\).

2. Integral de Linha: Parametrize \(C\): \(x=R\cos t, y=R\sin t\), \(0 \le t \le 2\pi\). Então \(dx = -R\sin t \,dt, dy = R\cos t \,dt\). Em \(C\), \(P = \frac{-R\sin t}{R^2} = -\frac{\sin t}{R}\) e \(Q = \frac{R\cos t}{R^2} = \frac{\cos t}{R}\).

\[ \oint_C (Pdx + Qdy) = \int_0^{2\pi} \left( \left(-\frac{\sin t}{R}\right)(-R\sin t) + \left(\frac{\cos t}{R}\right)(R\cos t) \right) dt \] \[ = \int_0^{2\pi} (\sin^2 t + \cos^2 t) dt = \int_0^{2\pi} 1 \,dt = [t]_0^{2\pi} = 2\pi \]

3. Aplicabilidade do Teorema: A integral de linha é \(2\pi\). Se usássemos o Teorema de Green/Stokes, \(\iint_D (\text{rotacional}) \,dA = \iint_D 0 \,dA = 0\). Os resultados diferem! O teorema não se aplica diretamente porque o campo \(\vec{v}\) (e suas derivadas parciais) não são definidos/contínuos na origem (0,0), que é um ponto dentro da região \(D\) delimitada por \(C\). Isso viola as condições do teorema.

Conclusão: Green como Caso Especial de Stokes

Entender o Teorema de Green como uma manifestação do Teorema de Stokes no plano é um passo conceitual importante. Ele reforça a ideia de que propriedades na fronteira de uma região estão intrinsecamente ligadas ao comportamento "interno" do campo vetorial.

Este exemplo também salienta a importância crucial das condições de aplicabilidade dos teoremas: a continuidade das funções e suas derivadas na região de integração é fundamental.

Teorema da Divergência no Plano: Fluxo e Expansão

Para um campo vetorial \(\vec{F}(x,y) = (P(x,y), Q(x,y))\) com componentes continuamente diferenciáveis, o Teorema da Divergência no Plano (outra forma do Teorema de Green) afirma:

\[ \oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA \] Onde:
  • \(C\) é uma curva simples, fechada, C¹ por partes, orientada positivamente (anti-horário), delimitando a região \(D\).
  • \(\vec{n}\) é o vetor normal unitário à curva \(C\), apontando para fora da região \(D\).
  • \(ds\) é o elemento de comprimento de arco ao longo de \(C\).
  • \(\text{div}(\vec{F}) = \nabla \cdot \vec{F} = \frac{\partial P}{\partial x} + \frac{\partial Q}{\partial y}\) é a divergência de \(\vec{F}\).

O lado esquerdo representa o fluxo total de \(\vec{F}\) para fora através da fronteira \(C\). O lado direito é a integral da divergência (taxa de expansão/contração por unidade de área) sobre a região \(D\). A generalização para 3D (Teorema de Gauss) será vista adiante.

Diagrama de normal para Stokes no plano e Divergência no plano

Conectando Divergência e Green

Se \(C\) é parametrizada por \(\vec{r}(t) = (x(t), y(t))\), o vetor tangente unitário é \(\vec{T} = \frac{1}{s'}(x', y')\) e o normal exterior unitário é \(\vec{n} = \frac{1}{s'}(y', -x')\), onde \(s'(t)\) é a rapidez \(|\vec{r}'(t)|\).

Então, \(\vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = (P,Q) \cdot (y'/s', -x'/s') s'\,dt = (Py' - Qx')\,dt = P\,dy - Q\,dx\).

Assim, a integral de fluxo é \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \oint_C (-Q\,dx + P\,dy)\).

Aplicando o Teorema de Green (com \(P_{green} = -Q\) e \(Q_{green} = P\)):

\[ \oint_C (-Q\,dx + P\,dy) = \iint_D \left( \frac{\partial (P)}{\partial x} - \frac{\partial (-Q)}{\partial y} \right) dA \] \[ = \iint_D \left( \frac{\partial P}{\partial x} + \frac{\partial Q}{\partial y} \right) dA = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA \]

Isso mostra que o Teorema da Divergência no Plano é uma consequência direta do Teorema de Green.

Visualizando Divergência e Fluxo

Campo com uma "fonte/sumidouro" em \((-0.8,0)\) e outra em \((0.8,0)\). Ajuste suas intensidades (k positivo = fonte, k negativo = sumidouro).

Intensidade Fonte 1 (k₁)
1.0
Intensidade Fonte 2 (k₂)
-1.0
Integrais (Círculo Raio Fixo = 1.5 unidades)
\(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds\) (Fluxo): 0.0000
\(\iint_D \text{div}(\vec{F}) \,dA\) (Teórico): 0.0000

Gerenciamento de Fluidos e Atmosfera

CONTEXTO

Estações Espaciais (Skylab, Salyut - anos 1970)

Com o advento das primeiras estações espaciais e missões de longa duração, o gerenciamento de sistemas de suporte à vida tornou-se primordial. Isso incluía o controle preciso de atmosferas internas, circulação de ar, e sistemas de refrigeração por fluidos. O conceito de divergência, mesmo que não sempre calculado explicitamente com integrais duplas para cada componente, era fundamental para entender "fontes" (produção de gases, injeção de fluidos) e "sumidouros" (vazamentos, consumo, extração de fluidos) dentro de volumes controlados. Uma divergência líquida diferente de zero em uma região indicaria um acúmulo ou depleção de substância, crucial para a manutenção da habitabilidade e operação dos sistemas.

Problema: Fluxo Radial

Problema: Considere o campo vetorial \(\vec{F}(x,y) = (x,y)\).

  1. Calcule \(\text{div}(\vec{F})\).
  2. Calcule o fluxo \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds\) onde \(C\) é o círculo \(x^2+y^2=R^2\) (\(R>0\)), usando o Teorema da Divergência no Plano.
  3. Verifique o resultado calculando a integral de fluxo diretamente.

Solução: Fluxo Radial

1. \(\vec{F}=(x,y) \Rightarrow P=x, Q=y\). \(\text{div}(\vec{F}) = \frac{\partial P}{\partial x} + \frac{\partial Q}{\partial y} = \frac{\partial x}{\partial x} + \frac{\partial y}{\partial y} = 1 + 1 = 2\).

2. Pelo Teorema da Divergência: \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \, ds = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \, dA = \iint_D 2 \, dA = 2 \cdot \text{Área}(D)\). A área do disco \(D\) de raio \(R\) é \(\pi R^2\). Portanto, o Fluxo = \(2 \pi R^2\).

3. Cálculo direto do fluxo: Parametrização de \(C\): \(\vec{r}(t)=(R\cos t, R\sin t)\), \(0 \le t \le 2\pi\). Vetor tangente \(\vec{r}'(t)=(-R\sin t, R\cos t)\). Rapidez \(s'(t) = |\vec{r}'(t)| = R\). Vetor normal unitário exterior \(\vec{n}(t) = \frac{1}{s'}(y'(t), -x'(t)) = \frac{1}{R}(R\cos t, -(-R\sin t)) = (\cos t, \sin t)\). (Alternativamente, para um círculo centrado na origem, \(\vec{n} = \frac{\vec{r}}{|\vec{r}|} = \frac{(x,y)}{R} = (\cos t, \sin t)\)). Em \(C\), \(\vec{F}(\vec{r}(t)) = (R\cos t, R\sin t)\). \(\vec{F} \cdot \vec{n} = (R\cos t)(\cos t) + (R\sin t)(\sin t) = R(\cos^2 t + \sin^2 t) = R\). Fluxo \( = \oint_C (\vec{F} \cdot \vec{n}) \, ds = \int_0^{2\pi} R \cdot (R \, dt) = R^2 \int_0^{2\pi} dt = R^2 [t]_0^{2\pi} = 2\pi R^2\).

Os resultados coincidem.

Conclusão: Divergência como Medida de Expansão

O Teorema da Divergência no Plano (ou forma normal do Teorema de Green) fornece uma ferramenta poderosa para relacionar o fluxo líquido de um campo vetorial através de uma curva fechada com a "densidade de fonte" (divergência) total dentro da região delimitada pela curva.

Este conceito é fundamental em diversas áreas da física e engenharia, como mecânica dos fluidos (onde a divergência zero implica incompressibilidade) e eletromagnetismo (Lei de Gauss).

Síntese e Próximos Passos

Nesta apresentação, exploramos três teoremas fundamentais no plano:

  • Teorema de Green (Forma Tangencial): Relaciona a integral de linha da componente tangencial de \(\vec{F}\) com a integral dupla do rotacional escalar. \(\oint_C \vec{F} \cdot d\vec{r} = \iint_D \text{rot}_k(\vec{F}) \,dA\).
  • Teorema de Stokes no Plano: Uma reinterpretação do Teorema de Green, vendo-o como um caso 2D do Teorema de Stokes 3D.
  • Teorema da Divergência no Plano (Forma Normal de Green): Relaciona a integral de linha da componente normal de \(\vec{F}\) (fluxo) com a integral dupla da divergência. \(\oint_C \vec{F} \cdot \vec{n} \,ds = \iint_D \text{div}(\vec{F}) \,dA\).

Todos esses teoremas compartilham um tema comum: conectar uma integral sobre uma fronteira (curva \(C\)) com uma integral sobre a região (\(D\)) que ela delimita, envolvendo derivadas do campo vetorial.

Próximos Passos: Generalizaremos esses conceitos para o espaço tridimensional, estudando o Teorema de Stokes para superfícies e o Teorema da Divergência de Gauss para volumes.

Aplicação Histórica Consolidada

IMPACTO

Da Lua às Estações Espaciais

A matemática do cálculo vetorial, incluindo os princípios encapsulados pelos teoremas planares, foi indispensável desde as primeiras missões Apollo até o desenvolvimento e operação de estações espaciais como Skylab e Salyut. Seja para otimizar trajetórias, analisar campos de força, entender a dinâmica de fluidos em microgravidade, ou garantir a integridade dos sistemas de suporte à vida, esses teoremas forneceram as ferramentas conceituais e computacionais para transformar desafios complexos em problemas tratáveis. Eles representam a linguagem pela qual os engenheiros e cientistas puderam modelar, prever e controlar os ambientes e tecnologias da exploração espacial.

Aplicação Prática Moderna

Os princípios dos Teoremas de Green, Stokes e Divergência são pedras angulares em muitas tecnologias e campos científicos modernos:

  • CFD (Dinâmica dos Fluidos Computacional): Modelagem de fluxo de ar em aeronaves, fluxo sanguíneo, padrões climáticos.
  • Eletromagnetismo: Design de antenas, motores elétricos, análise de propagação de ondas.
  • Geofísica: Modelagem de campos gravitacionais e magnéticos da Terra.
  • Engenharia Médica: Análise de fluxos em sistemas biológicos, imagem por ressonância magnética.
  • Computação Gráfica: Simulação de fluidos, efeitos de partículas, renderização realista.

(Ex: Simulação de fluxo e cálculo de forças em um perfil aerodinâmico usando princípios de fluxo e circulação).